Cereja: de símbolo nacional a símbolo de saúde.

03/06/2013 09:35

Anualmente as flores das cerejeiras florescem, dando início a primavera japonesa. A Sakura, como eles a designam, preenchem a paisagem com diversos tons de rosa, muita exuberância, beleza, vibrações festivas e calor humano. 

 

Considerada uma das flores mais belas do mundo as cerejeiras atraem milhões de turistas ao Japão para festivais nacionais organizados em sua homenagem. Tal espetáculo, entretanto, é dependente do clima. Neste ano, assim como em 2002 e 1953, as cerejeiras floresceram mais cedo no Japão, 06 de março.

 

Porém, sejam elas claras ou vibrantes, aproximadamente uma semana após o florescer as flores se desprendem dos galhos e ramos e passam a ornamentar a superfície de ruas, trilhas, lagos e rios. Na tradição japonesa a brevidade deste momento simboliza o samurai cuja vida era tão efêmera quanto à queda destas flores. Na Índia, são consideradas sagradas e personificam a prosperidade. Segundo o dito popular nas casas onde elas desabrocham nunca há de faltar nada.

Tipicamente de países de clima temperado a cerejeira no Brasil requer cuidados e manejos diferenciados, daí a dificuldade de encontramos espécimes adaptadas ao nosso clima nada ameno. Segundo o engenheiro agrônomo do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) Roberto Hauage* uma das características das fruteiras de clima temperado é a necessidade de acumular horas de frio para quebrar a dormência das gemas e favorecer a germinação.

Cada espécie precisa de um determinado número de horas a uma certa temperatura para reiniciar um novo ciclo. No caso da cerejeira, são necessárias de 1.200 a 1.400 horas de frio, com temperaturas abaixo de sete graus centígrados. No Brasil, isso é difícil de ocorrer mesmo em regiões onde o inverno é muito rigoroso.

Infelizmente não há cultivo comercial de cerejas no nosso país, pois diferentemente de outros frutos de clima temperado como a maça, pêssego, ameixa e perâ, ainda não existem variedades selecionadas que se adaptem ao nosso clima, procedimento este realizado via melhoramento genético. Existem outras espécies da fruta que necessitam de menos horas de frio, entre 100 e 150, mas estas cerejas não têm sabor agradável.

Por ser importada principalmente da Espanha, Argentina e Chile, a cereja é um fruto relativamente caro que pode ser somente apreciado em meados de dezembro a janeiro. NÃO SE ENGANEM, muitas das cerejas que encontramos ornamentando bolos e doces são na realidade chuchu. Sim, chuchu! E o mais incrível é que você possivelmente já brigou com seus irmãos e amigos para ser o sortudo á comê-los.

Mas calma a maioria dos vidrinhos de cereja ao marasquino tem a fruta de verdade, porém muitas padarias e confeitarias recorrem à réplica no intuito de driblar a sazonalidade e preço da legítima. Por isso chequem sempre os rótulos! Caso você não esteja seguro veja se há caroço, se for do tipo descaroçada, cheque a concavidade que antes continha a semente. 

A cereja verdadeira é uma fruta pequena, arredondada, de cor vermelha e com polpa macia e suculenta. Quando consumida in natura é rica em vitaminas A, B e C, além de conter minerais como o cálcio, ferro e fósforo. É uma fruta pouco calórica com altos teores de fibra alimentar e antocianinas. A cereja fresca é considerada um anti-inflamatório natural, prevenindo inflamações e acalmando dores no corpo. Tem propriedades refrescantes, diuréticas e laxativas, e por ser rica em ácido salicílico é popularmente indicada no tratamento e combate ao reumatismo, gota, artrite e redução do ácido úrico. Assunto que iremos melhor explorar neste artigo!

Historicamente, a gota é considerada uma doença que acomete os ricos, visto que se desenvolve em geral pela ingestão demasiada de alimentos ricos em purinas (proteínas) e/ou pela ingestão de grandes quantidades de álcool. No entanto, nos últimos 40 anos, em consequência da mudança dos hábitos alimentares, do crescimento econômico e do avanço das técnicas agrícolas a doença deixou de ser privilégio dos mais abastados, e tornou-se cada vez mais incidente na população mundial.

Por mais que já estejam elucidados os mecanismos patogênicos desta doença e nossa capacidade de tratá-la, os pacientes continuam sofrendo de crises recorrentes de gota. Tais ataques infligem dores tremendas e são os principais causadores de morbidade por gota nos EUA. Não existem estatísticas concretas sobre a gota no Brasil

Na última década, a cereja tem conquistado considerável interesse e atenção pública por parte dos pacientes e pesquisadores como alternativa potencial na prevenção e controle da Gota. Estudos experimentais em animais e humanos têm demonstrados indícios de que o consumo de cereja é capaz de reduzir o nível sérico de ácido úrico.

 

A popularidade da cereja no tratamento da gota é tão grande que produtores americanos inclusive recorrem aos possíveis benefícios advindos do consumo da cereja como estratégia de marketing. Porém, até o ano passado não havia nenhum estudo comprobatório sobre a relação cereja x ácido úrico.

Intrigados com esta possibilidade, os pesquisadores da Universidade de Medicina de Boston recrutaram 633 pacientes com gota para quantificar o risco relativo de crise após a ingestão de cereja (fruto ou extrato do fruto) comparada com a não ingestão do fruto. Foi também avaliado se a cereja altera o funcionamento do medicamento alopurinol e os principais fatores envolvidos nas crises de gota.

Após um ano recolhendo dados os pesquisadores reportaram 1.247 crises de gota, sendo estas predominantemente recorrentes na articulação metatarsofalângica (dedão do pé). O consumo de cereja foi inversamente associado ao risco de crises de gota independentemente de outros fatores como sexo, genética, “raça”, educação, ingestão de purina (proteína), álcool e medicamentos anti-gota ou diuréticos. Interessantemente quando consumida juntamente ao alopurinol a cereja propiciou uma redução de 75% do risco. Quando somente a cereja foi utilizada como medida profilática o decréscimo foi de 35%. Para tal foram ingeridas 3 porções, com até 10 a 12 cerejas por mais de 2 dias.

Segundo os pesquisadores a cereja age reduzindo as crises de gota através da inibição de duas enzimas hepática relacionadas com a produção de ácido úrico. Adicionalmente, estes frutos, por conterem altos teores de antocianinas podem também exercer efeito anti-inflamatório sobre a série de respostas inflamatórias desencadeadas pelos cristais de urato de sódio. Apesar de conterem vitamina C, somente altas dosagens (500mg/dia) estão associadas ao decréscimo de ácido úrico sérico, portanto, neste quesito a cereja pouco contribui.

Embora seja uma excelente notícia aos portadores de gota, no Brasil, como vimos, à produção deste fruto ainda esta engatinhando, o que torna o acesso a este fruto difícil. O produto congelado ou em conserva podem ser alternativas, porém comprovações científicas ainda são necessárias. Seja pela beleza de suas flores ou prazer de saborear seus frutos, devemos principalmente consumir as cerejas pelos inúmeros benefícios a saúde que elas nos proporcionam, principalmente no tratamento da Gota. Quem sabe assim não incentivamos também o desenvolvimento da “cerejeira brasileira”. 

No caso das compotas atente-se ao elevado teor de açúcar, os quais podem ser prejudiciais à saúde, inclusive aos portadores de gota. A moderação é sempre o caminho!

Para aqueles que adoram a chuchucereja segue uma receita de como prepara-lo. Lembre-se esse alimento não contêm NENHUM dos benefícios aqui descritos!!!!!

1. Cozinhe o chuchu até ficar al dente. Em seguida retire bolinhas do legume com um instrumento chamado "boleador".

2. Jogue as bolas em água com cal virgem culinária, que deixa a comida firme por fora e macia por dentro. Desligue ao ferver e espere 3 horas.

3. Despeje as bolinhas em calda quente de groselha. Deixe no fogo brando. Quando descerem, apague o fogo e retire-as da calda.

4. Jogue um copo de açúcar na calda e ferva-a. Despeje as bolinhas e apague o fogo. Quando a calda esfriar, acrescente licor marasquino.

Fúvia de Oliveira Biazotto

Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas (ESALQ/USP)

Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos (ESALQ/USP)

Sob orientação: Profª Drª Jocelem Mastrodi Salgado

 

Referências:

* Informação concedida ao globo rural pelo Roberto Hauage. Pode ser lida na integra no link : https://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC517944-1489-6,00.html

https://super.abril.com.br/alimentacao/cereja-calda-feita-chuchu-632108.shtml

www.brasilescola.com/frutas/cereja.htm