Alho Negro e Envelhecido

04/09/2013 11:18

Você já ouviu falar em alho envelhecido ou negro? Se não, saiba que tanto o alho envelhecido quanto o negro não são espécies novas de alho ou variedades geneticamente modificadas. São na realidade processamentos distintos aplicados sobre esta bulbosa no intuito de amenizar características indesejáveis, como, por exemplo, o sabor pungente.

Mas antes de falarmos propriamente desses dois produtos, conversaremos um pouco sobre a sua matéria prima, o alho.

O gênero Allium é um dos maiores gêneros de plantas existentes, contendo cerca de 600 a 750 espécies, dentre elas o Allium sativum (alho). Dentre os compostos presentes no alho destacam-se: fibras solúveis (73% do total de fibras), ácidos graxos poliinsaturados, minerais (selênio, zinco e cobre), prebiótico inulina, vitaminas (B1, B2, B6, C, E) e compostos fenólicos.

Contudo, apesar desta gama de fitoquímicos benéficos à saúde, investigações científicas indicam que as ações biológicas e médicas derivadas do consumo do alho provem, em sua grande maioria, de uma única família de compostos denominados organosulfurosos. Até o momento foram encontrados cerca de 30 componentes, porém acredita-se que existam muito mais. Além das propriedades curativas os compostos organosulfurosos também são os responsáveis pelo odor e flavor característico do alho.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que promovem saudabilidade são estes os compostos eliciadores do mau hálito, do ardor e do cheiro impregnante nas mãos ou até mesmo no suor. 

Entenda por que o alho causa ardência e mau hálito:

Nociceptores são neurônios que respondem a estimulações de dor. Quando expostos aos químicos presentes no alho principalmente os compostos organosulfurosos, eles emitem um sinal que desencadeia a inflamação, a qual provoca a percepção de dor. Enquanto muitos químicos ativam os nociceptores através de ligações químicas mais brandas, os compostos presentes no alho, cebola, canela, mostarda e alimentos apimentados, ligam-se mais fortemente aos receptores, perdurando as sensações de ardência e dor.

Efeito similar é encontrado em substâncias como acroleína, fumaça, poluentes encontrados no ar e gases provocadores de lágrimas, os quais causam instantânea dor e irritação nos olhos. Curiosamente esses receptores estão presentes desde o homem até os vermes, o que sugere que essas substâncias presentes no alho estão associadas à defesa contra o herbivoríssimo, daí a ação repelente observada.

Imediatamente após o consumo do alho, diversos compostos sulfurosos são formados. No primeiro momento grande parte dos voláteis maus cheirosos produzidos provém da própria cavidade oral (produzidas através das enzimas e bactérias presentes na boca). No entanto o mau hálito prolongado deve-se a ausência de metabolismo no estomago e fígado versus o metabolismo acelerado desses gases. Inclusive indivíduos que mastigam, mas não engolem o alho, não apresentaram um mau hálito prolongado. A retenção destes compostos é maior do que 30h após o consumo, mesmo após higienização.

Outro fato interessante é que os compostos presentes no alho são extremamente permeáveis à pele, indivíduos que consomem muito esta bulbosa ou mesmo o óleo de alho podem eliminar estes gases difundidos no suor. Realizar escalda pés com alho pode também promover mau hálito.

Distintamente do alho in natura o alho envelhecido e o alho negro não apresentam tais inconvenientes, são mais adocicados, frutados, macios e surpreendentemente possuem maiores concentrações de antioxidantes.

Como são obtidos?

O alho envelhecido é obtido através da inserção do bulbo ou de fatias de alho em uma solução de vinagre ou álcool por 6 a 20 meses. Este período é necessário para que haja a remoção dos compostos sulfurosos indesejados e também para estabilizar alguns compostos instáveis.

O alho negro obtém sua coloração e flavor a partir da fermentação em altas temperaturas de bulbos inteiros inseridos em estufas apropriadas capazes de não somente controlar os níveis de temperatura como também a umidade. São requeridos apenas 30 dias para o processamento do alho negro. Segundo seus consumidores a textura deste alho é mais cremosa e o sabor, ligeiramente adocicado, lembra um vinagre balsâmico de qualidade, sem nenhuma semelhança com o ardido do alho in natura (https://www.spandidos-publications.com/etm/5/2/399).

E no quesito saúde? São melhores que o alho in natura?

Quando os bulbos são processados (macerado, cortado, mastigado, ou seja, quando houver qualquer ruptura do bulbo), desencadeia-se uma cascata de reações que resultará na obtenção de diversos compostos organosulfurosos. Cada um destes compostos formados tem ação específica em uma determinada doença, isto é, nem todos os compostos formados terão a mesma ação fisiológica. Daí a importância fundamental do modo de preparo deste vegetal.

Logo, no quesito saúde o alho negro ou envelhecido poderão ser mais eficientes ou não dependendo das doenças investigadas e das ações fisiológicas esperadas. Não há aqui uma relação de superioridade.

Mas para que fins eles são mais indicados?

Diversas propriedades benéficas têm sido relacionadas ao consumo destes alimentos: efeito anti-carcinogênico, anti-aterosclerótico (impede os processo de obstrução de veias e artérias), imunomodulador (modula o sistema de defesa do organismo), hepato-protetor (protetor do fígado) e anti-envelhecimento.

Com relação à atividade antioxidante o alho negro é mais rico em enzimas anti-oxidativas do que o alho envelhecido e o in natura, apresentando, portanto, maior potencial antioxidante tanto in vitro quanto in vivo.

Por serem mais suaves ao paladar e terem os inconvenientes do alho in natura reduzidos, esses dois produtos do alho, são mais facilmente introduzíveis na dieta. Lembre-se fritar, cozinhar, ou assar o alho são processos que degradam a grande maioria dos fitoquímicos presentes neste alimento, inclusive os compostos organosulfurosos e, portanto, não são indicados quando buscamos promover a saúde, o ideal é consumi-lo in natura.

Infelizmente todos esses benefícios e vantagens custam caro, em média o quilo do alho negro é vendido a 180 reais, isso para os produtos nacionais, os importados podem ser ainda mais caros.

O alho envelhecido ainda não é comercializado no Brasil, no entanto, extratos e cápsulas a base deste produto são encontrados em algumas farmácias (atenção a estes produtos nunca é demais).

O comercio destas iguarias ainda é recente no nosso país, esperemos que com a divulgação de seus benefícios e de seu sabor exótico, cada vez mais produtores se interessem por sua produção, assim esses dois produtos se tornarão mais acessíveis e frequentes no cardápio do dia-a-dia.

Fúvia de Oliveira Biazotto

Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas (ESALQ/USP)

Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos (ESALQ/USP)

Sob orientação: Profª Drª Jocelem Mastrodi Salgado