Dieta Personalizada: Alimentação do Futuro?

16/08/2013 08:49

Pesquisadores da nutrição assumiam que todos os indivíduos apresentavam, de modo geral, as mesmas necessidades nutricionais, com algumas variações entre os sexos, faixa etária, peso, altura e estágio gestacional. Se avaliarmos o guia alimentar de todos os países notaremos que esta suposição era tão concreta ao ponto de originar tabelas com informações sobre nutrientes e fontes de energia, conhecidas como RDAs (Recommended Dietary Allowances) ou Compensações Dietéticas Indicadas.

Apesar de muito úteis (até hoje é a principal ferramenta dos nutricionistas), essas tabelas foram projetadas para um público geral, e não foram otimizadas para subgrupos genéticos. O que faz sentido quando o principal problema de saúde envolvendo a alimentação é a subnutrição.

Entretanto, com a mudança do cenário epidemiológico de doenças carências para doenças crônico-degenerativas (DCDs) notou-se um aumento exponencial no número de indivíduos portadores de alergias alimentares ou doenças crônicas como a diabetes. Os subgrupos genéticos, portanto, tornaram-se mais frequentes e abundantes em nossa sociedade, e as tabelas nutricionais cada vez menos eficientes.

Não bastasse o fator genético, estudos também vêm comprovando que o status fisiológico, social, físico e econômico também são relevantes à manutenção e exibição de saúde, o que dificulta ainda mais o estabelecimento de tabelas que comtemplem a sociedade como um todo.

Com tantas variáveis em jogo a elaboração de um plano alimentar adequado tornou-se um verdadeiro desafio para os profissionais da nutrição! É por isso que a sua nutricionista insiste em um acompanhamento... Uma única consulta não oferecerá todas as informações necessárias. Aqui também reside a razão pela qual as dietas da moda podem ter sido eficazes em outrem e não em você. A generalização peca pela falta de personalização! O que é bom para um não é necessariamente o ideal para o outro!

Em vista desta considerável variação interpessoal em resposta às intervenções dietéticas, tornou-se evidente a necessidade de uma abordagem nutricional mais individualizada. Contudo, foi somente após o término do projeto Genoma Humano, que a ideia de uma dieta personalizada intensificou-se, principalmente no sentido de prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida. Foi igualmente a partir deste momento que nosso conhecimento entre a relação genes e nutrientes levou ao surgimento de uma nova área de estudos: a genômica nutricional.

Mas qual a relação gene nutriente? O que foi o projeto genoma humano?  Genômica nutricional ???

Inúmeros artigos científicos vêm ao longo dos anos demonstrando que os nutrientes e não nutrientes* podem interagir com o nosso genoma (código genético) modificando a expressão de genes (quantidade de proteínas formadas) e/ou a composição proteica e metabólica das células. Ou até mesmo podem participar dos processos de replicação (cópia) e reparação do DNA. A partir destas observações os pesquisadores concluíram, de modo simplificado, que os componentes da nossa dieta são capazes de modular nosso material genético produzindo alterações metabólicas complexas que podem tanto prevenir doenças como desencadeá-las.  

* Alguns exemplos de compostos não nutrientes são lignanas, antocianinas, flavonoides, fibras, beta-caroteno, licopeno dentre inúmeros já citados aqui no site.

Apesar de promissora, a ideia de utilizar os alimentos literalmente como medicamentos, requer primeiramente que se entenda melhor de que forma os compostos bioativos presentes nos alimentos interagem com o nosso genoma. Daí a importância do projeto Genoma para o desenvolvimento de uma dieta personalizada!

O Projeto Genoma, que foi concluído em 2003, é o nome dado a um trabalho conjunto realizado por diversos países que teve como objetivo mapear toda a sequência de genes humanos, desvendando assim o código genético. Foi a partir da conclusão deste projeto que se constatou que entre dois indivíduos sem parentesco o código genético (sequencia de DNA) é similar em 99%.

Sim, por mais incrível que lhe pareça, a diferença entre eu, você e seus amigos reside nos  0,1% restantes. E é nesse pequeno percentual que se encontram então as diferenças interindividuais que definirão, por exemplo, qual a propensão ao desenvolvimento de uma determinada doença ou as respostas dadas a um determinado estimulo dietético.

Se já conhecemos o genoma humano e sabemos que a alimentação interfere nos genes, o que ainda falta para desenvolvermos a dieta personalizada?

Apesar de os cientistas terem em mãos as sequências dos 23 cromossomos que compõem o nosso material genético, é ainda um desafio para os profissionais da genômica nutricional identificar e validar todos os genes cuja expressão possa ser alterada pela dieta. Isto é, falta conhecer quais dos 30 mil genes são modificados pelos alimentos e que possivelmente poderão influenciar positivamente a nossa herança genética.

Antes de continuarmos, gostaria dê dar uma breve explicação sobre dois termos, Nutrigenômica e Nutrigenética, ambas ferramentas importantíssimas para a compreensão da genômica nutricional e, consequentemente, para o desenvolvimento da dieta personalizada.

Como vimos, os alimentos podem influenciar os genes, contudo é também verdade que o nossos genes podem afetar como um nutriente irá se comportar em  nosso organismo, não é uma via de mão única. Para compreender como a dieta modula os genes, existem os profissionais da Nutrigenômica, enquanto os pesquisadores da Nutrigenética estudam como o código genético de um indivíduo pode afetar a resposta de um determinado nutriente em nosso organismo... é preciso uma quantidade maior ou menor para desencadear uma resposta, se?  será mais ou menos absorvido, e por aí vai.

Será apenas quando unirmos essas duas informações que teremos em mãos informações suficiente para desenvolvermos a desejada dieta personalizada.

Outro ponto que deve ser analisado na elaboração da dieta personalizada é que, diferentemente dos medicamentos, os alimentos estarão inseridos em misturas complexas de compostos bioativos podendo ocorrer sinergismo ou inibição entre eles. Além disso, no caso dos alimentos será oferecido ao organismo múltiplas doses de um determinado composto, já que o mesmo pode estar presente em mais de um alimento ou ainda pode ser ingerido mais de uma vez ao dia. Por isso, é aconselhável que sejam primeiro introduzidos componentes alimentares que já estejam bem caracterizados em termos de metabolismo, processos celulares e desfechos a saúde, como, por exemplo, a  soja, o ômega-3 e os pro e prebióticos.   

Toda esta ideia de dieta personalizada cria espaço para a indústria desenvolver comercialmente alimentos funcionais ou suplementos que atuem sobre os genes, os denominados alimentos personalizados.

Apesar de transmitir uma ideia de individualidade é muito pouco provável que a indústria venha a produzir alimentos de acordo com as necessidades de apenas um indivíduo. É mais admissível que subgrupos genéticos predispostos a uma determinada doença sejam agrupados de maneira a massificar o produto ao invés de individualizá-lo.

E como seria este alimento personalizado?

Para desempenhar o papel desejado em nosso organismo este alimento deverá ter composição controlada, alta biodisponibilidade do composto bioativo de interesse, não deverá interagir com outros compostos presentes na matriz alimentar, porém, deverá integrar-se bem a matriz, ser nutricionalmente balanceado, suportar variações provocadas pelo processamento, ter boas qualidades sensoriais e de vida de prateleira. É claro que uma lista assim tão grande de requerimentos pode não ser inteiramente realista, mas é provável que os alimentos personalizados possam ser projetados de maneira a cumprir a maioria destas requisições.

Mesmo que todas essas barreiras sejam ultrapassadas e no futuro as hipóteses aqui apresentadas tornem-se realidade, ainda teremos que debater as implicações éticas e sociais do uso do material genético para identificação de risco de doenças.  Quem poderá acessá-las? Como se encaixa o plano de saúde, o empregador e o governo neste quadro? Quem irá produzi-los? Quais são as leis que regulamentaram seu uso? Qual o custo desta tecnologia? Saber o futuro é racionalidade ou paronóia?

Interessantemente, em uma pesquisa realizada nos EUA, 71% dos entrevistados foram a favor do uso de informação genética para o desenvolvimento de recomendações e dietas personalizadas, principalmente se há a possibilidade de otimizar a saúde ou reduzir o risco de doenças, as quais eles são geneticamente predispostos. E você, depois de todas as considerações aqui feitas, esta disposto a fornecer seu material genético?

Fúvia de Oliveira Biazotto

Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas (ESALQ/USP)

Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos (ESALQ/USP)

 

Sob orientação: Profª Drª Jocelem Mastrodi Salgado